Na manhã desta segunda-feira, 14 de abril de 2025, o céu do Texas foi palco de um marco histórico: a Blue Origin realizou seu 31º voo suborbital com uma tripulação formada exclusivamente por mulheres — a primeira missão 100% feminina da empresa de Jeff Bezos. Mas, além da representatividade e do simbolismo, o voo carregou consigo um conteúdo inédito e profundamente brasileiro: sementes desenvolvidas por cientistas da Embrapa que podem ajudar a garantir o futuro da alimentação — na Terra e fora dela.
A bordo da cápsula RSS Kármán Line estavam seis mulheres de diferentes áreas — entre elas a cantora Katy Perry, a jornalista Lauren Sánchez, a apresentadora Gayle King, a engenheira aeroespacial Aisha Bowe, a ativista Amanda Nguyen e a produtora Kerianne Flynn. Elas vivenciaram cerca de 10 minutos de microgravidade, cruzando a linha de Kármán, o ponto simbólico que separa o planeta do espaço.
Mais do que uma tripulação estrelada, a missão levou na bagagem amostras de duas culturas agrícolas estratégicas: a batata-doce (cultivares Beauregard e Covington) e o grão-de-bico BRS Aleppo, desenvolvido por pesquisadores da Embrapa Hortaliças. Esses materiais são parte de um ambicioso projeto científico da Rede Space Farming Brazil, que une a Embrapa, a Agência Espacial Brasileira (AEB) e outras 20 instituições brasileiras e internacionais em torno de um mesmo objetivo: estudar o cultivo de alimentos em ambientes extremos como a Lua, Marte ou mesmo regiões áridas da Terra afetadas pelas mudanças climáticas.

A inclusão do material brasileiro na missão da Blue Origin foi viabilizada por um convite do professor Rafael Loureiro, da Winston-Salem State University (EUA), com apoio da Odyssey, empresa de ciências espaciais ligada à universidade. A condução dos experimentos será liderada por Aisha Bowe, ex-cientista da NASA e fundadora da STEMBoard, especialista em engenharia aeroespacial.
As cultivares escolhidas não foram por acaso. Tanto a batata-doce quanto o grão-de-bico reúnem características agronômicas e nutricionais ideais para os desafios do cultivo em ambientes com baixa gravidade, alta radiação e recursos limitados. Segundo a engenheira-agrônoma Larissa Vendrame, da Embrapa Hortaliças, “as raízes da batata-doce produzem compostos bioativos que atuam como poderosos antioxidantes naturais, inibindo a ação de radicais livres. Esse consumo é especialmente valioso em ambientes expostos à radiação, como nas condições da Lua, de Marte ou da Estação Espacial Internacional”.
Além disso, as folhas da batata-doce são fonte de proteína vegetal, enquanto as raízes alaranjadas são ricas em betacaroteno, precursor da vitamina A, essencial para a saúde da pele e dos olhos. Já o grão-de-bico BRS Aleppo, conhecido como o “grão da felicidade”, possui alto teor de proteína e boa adaptabilidade ao cultivo em ambientes de baixa umidade e solo pobre. “A cultivar BRS Aleppo foi eleita para essa missão em função de seu alto valor nutricional e pela alta adaptabilidade do cultivo”, explica o pesquisador Fábio Suinaga, também da Embrapa Hortaliças.
O experimento não para por aí: no retorno das sementes ao Brasil, elas serão avaliadas para observar os efeitos da exposição à microgravidade e à radiação. A expectativa é que essas condições estimulem mutações úteis — o que pode acelerar o desenvolvimento de novas variedades mais resistentes, produtivas e nutricionalmente superiores. “Estamos planejando submeter sementes de grão-de-bico à radiação Gama e a nêutrons, que atuam como geradores de variabilidade genética, da mesma forma que os cruzamentos realizados em laboratório e campos experimentais”, afirma Suinaga.
Para a coordenadora da Rede Space Farming Brazil, Alessandra Fávero, da Embrapa Pecuária Sudeste, o impacto da missão pode ir muito além do espaço. “A NASA já publicou mais de duas mil tecnologias originadas de suas missões que foram aplicadas no cotidiano, como telas de celulares, termômetros infravermelhos e ferramentas sem fio. Da mesma forma, podemos avançar muito em tecnologias modernas para a agricultura brasileira, como inteligência artificial na irrigação, novas cultivares mais tolerantes à seca ou mais adaptadas às mudanças climáticas”, aponta.
A Rede, criada oficialmente em 2023 após a assinatura de um protocolo entre a Embrapa e a AEB, atua como um ecossistema de inovação para a agricultura em ambientes extremos. Reúne 56 pesquisadores de 22 instituições, incluindo universidades brasileiras e estrangeiras, centros de pesquisa e entidades ligadas à exploração espacial, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), a Florida Tech University, entre outros.
O experimento que agora orbita entre a Terra e as estrelas é símbolo de uma ciência que ultrapassa fronteiras — geográficas, climáticas e até mesmo planetárias. Uma demonstração de que o Brasil, com sua expertise agrícola, pode contribuir não apenas com a segurança alimentar do presente, mas também com a construção do futuro da humanidade.