O evento “Cenário Geopolítico e a Agricultura Tropical”, promovido nesta terça-feira (06), em São Paulo pelo Sistema CNA/Senar em parceria com um jornal, reuniu especialistas, autoridades, parlamentares e produtores rurais para debater os desafios e oportunidades que se desenham para o agro diante das transformações no cenário geopolítico global.
Na abertura do seminário, o presidente da CNA, João Martins, destacou a importância de preparar o setor produtivo para um mundo em constante mudança. “Não acredito que alguém, no atual momento, tenha capacidade de prever com exatidão o que vai acontecer, mas podemos simular cenários e orientar os produtores”, afirmou. Ele enfatizou ainda que o conhecimento compartilhado ao longo do dia deveria ser levado para os estados, federações e bases produtivas, contribuindo com a tomada de decisão em todos os níveis. “Estava na hora de fazer um evento como este. Precisamos compreender a realidade do que está ocorrendo no mundo.”
Martins também reforçou o papel do agronegócio brasileiro no cenário internacional. “O agro não é apenas do Brasil, é do mundo. Não falo apenas da soja ou da carne que exportamos, mas também dos alimentos que abastecem feiras e mercados internos. Mesmo quando o produto não atravessa fronteiras, o produtor está conectado ao mundo”, ressaltou. Para ele, a crescente globalização e a interdependência do comércio mundial exigem atenção redobrada. “O agro brasileiro está cada vez mais vinculado ao desempenho do comércio internacional, que, segundo o FMI, terá crescimento de 1,7% e não mais 2,5%, em razão de novas tarifas comerciais impostas pelos Estados Unidos.”
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, também participou da abertura e afirmou que o momento é oportuno para debater o papel estratégico do Brasil diante das reconfigurações internacionais. Ele lembrou que o sucesso do agro está diretamente relacionado ao esforço de homens e mulheres no campo, destacando pilares como a biotecnologia, a economia do conhecimento e a transição energética. “Temos orgulho de ser uma potência agroambiental. Ninguém pode negar isso, e é justamente isso que precisamos apresentar ao mundo.”
Durante os painéis, especialistas trouxeram diferentes visões sobre o impacto das novas dinâmicas geopolíticas no agro brasileiro. Para a ex-ministra da Agricultura e senadora (PP-MS), Tereza Cristina, a eficiência e produtividade do setor precisam ser acompanhadas de políticas estruturais para garantir competitividade. “Temos que avançar em áreas fundamentais como crédito, seguro rural e capacidade de armazenagem, essenciais para oferecer segurança e previsibilidade ao produtor.” Ela também mencionou a importância da Lei de Reciprocidade Comercial, ressaltando que, se necessário, o Brasil tem instrumentos legais para se proteger de práticas desproporcionais.
O deputado federal (PP-PR), Pedro Lupion, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), fez uma análise dos reflexos da guerra comercial entre Estados Unidos e China e os possíveis desdobramentos para o Brasil. Ele defendeu que o país precisa estar atento, identificando tanto riscos quanto oportunidades diante das novas configurações do comércio internacional. “Temos buscado, como representantes do setor, apresentar os possíveis cenários aos produtores rurais, para que possam se antecipar e se preparar.”
Em outro painel, o professor da FGV e pesquisador Oliver Stuenkel afirmou que a população viveu por muito tempo em um mundo de estabilidade, com uma potência dominante, mas essa fase já passou. “O que vemos agora é um ambiente de rivalidade e tensão constante entre Estados Unidos e China — algo que não começou com Trump, mas vem desde o final do governo Obama.” Para ele, não se trata de esperar a volta da antiga ordem, mas de reconhecer a fragmentação atual e adaptar-se a ela. “Estamos diante de uma nova configuração mundial, e é preciso se acostumar com esse cenário mais disperso.”
O ex-secretário de Comércio Exterior e sócio-fundador da BMJ, Welber Barral, apontou que o novo contexto geopolítico traz riscos, mas também muitas possibilidades. “Estamos vendo um aumento das zonas de influência dos EUA e da China, enquanto a Europa tenta preservar sua liderança, apesar de seus próprios conflitos internos.” Na visão dele, essas mudanças podem ser vantajosas para o Brasil, principalmente no agro. “O país deve representar 60% da produção global de soja em 2030, pode alcançar até 90 milhões de toneladas de milho, e deve ampliar a diversificação das exportações para a Índia e outros mercados asiáticos, que têm crescente demanda por proteína.”
Marcos Troyjo, ex-presidente do Banco dos Brics, reforçou que a relevância do agro brasileiro é resultado tanto da competência do setor quanto das condições externas. “O agronegócio se tornou central também porque a geopolítica passou a influenciar diretamente a oferta e demanda de alimentos.” Para ele, três grandes fatores vão moldar o futuro do agro no Brasil: um eventual segundo mandato de Trump, que pode aumentar a assertividade dos EUA no cenário global; a instabilidade política internacional; e a ascensão dos países emergentes como grandes centros de consumo. “Isso tudo projeta uma nova trajetória para o agro brasileiro”, avaliou.
Troyjo também destacou o papel do Brasil como alternativa viável para a segurança alimentar global. “A China não deve usar esse tema como instrumento de negociação com os Estados Unidos. O único país capaz de substituir, com rapidez e eficiência, os fluxos tradicionais de alimentos entre China e EUA é o Brasil.”
O evento contou ainda com a palestra magna do Prêmio Nobel de Economia, Daron Acemoglu, que discutiu as transformações geopolíticas e seus impactos nas relações internacionais, e com o lançamento do programa Saúde no Campo, do Senar, voltado ao bem-estar e qualidade de vida da população rural. Ao longo do dia, ficou evidente que o agro brasileiro ocupa um papel estratégico no novo tabuleiro global — e que entender as mudanças em curso é essencial para aproveitar as oportunidades que se abrem no horizonte.