Por Eduardo Berbigier – advogado tributarista (Colunista Terraviva)
A Reforma Tributária entra na fase prática em 2026 com a criação do IBS e da CBS, que passam a incidir com alíquotas reduzidas. Mas ninguém deveria se enganar: a questão nunca foi o percentual inicial, e sim o que esse momento representa. Estamos iniciando uma transição complexa, longa e juridicamente frágil, que pretende substituir ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI em um processo que se estenderá até 2033.
O governo sustenta que o novo sistema trará ganhos de eficiência capazes de elevar o PIB entre 12% e 20% em 15 anos. Essa é a promessa. O problema é que reformas não se sustentam em promessas: se sustentam em regras claras, segurança jurídica e coerência federativa. E, por enquanto, essas três bases ainda estão em disputa.
O Brasil viverá, durante quase uma década, em um ambiente híbrido. O sistema antigo não deixa de existir – apenas passa a coexistir com o novo. Ou seja: ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins continuam aí. Agora somados a IBS, CBS e imposto seletivo. Dois sistemas, duas lógicas, duas formas de litigar – e uma só realidade: o contribuinte no meio.
Esse período de transição será, ao mesmo tempo, o mais arriscado e o mais estratégico dos próximos anos. Empresas que tratam tributo como mera obrigação acessória vão pagar a conta. Já aquelas que fizerem do planejamento tributário uma inteligência de negócios podem atravessar essa fase com ganhos competitivos reais.
E é no agronegócio que essa leitura se torna ainda mais urgente.
O discurso de que o IBS elimina o “ICMS invisível” precisa ser testado na prática. Ainda não sabemos em quanto tempo o produtor receberá seus créditos. Não sabemos como as cooperativas serão tratadas. Não sabemos se haverá devolução plena nas exportações. E, enquanto essas respostas não vêm, o agro segue operando uma das cadeias mais longas e complexas do sistema produtivo nacional.
A preocupação cresce quando olhamos para os efeitos colaterais do PLP 108. Alterações feitas sob o pretexto de aperfeiçoar a reforma acabam fragilizando instrumentos essenciais como os Fiagros. Ao tornar o regime menos previsível, o resultado prático é capital fugindo, crédito encarecendo e investimentos produtivos sendo postergados.
O mesmo raciocínio vale para as mudanças no ITCMD aplicadas às doações de imóveis rurais. A ideia pode vir embalada em um discurso de função social, mas o efeito real é gerar insegurança jurídica num setor que opera sob risco climático, logístico e regulatório simultâneo.
E isso sem falar no risco silencioso de retrocesso energético. Ao modificar regras que impactam biometano e outras rotas limpas de energia derivadas do agro, a reforma flerta com a contramão da transição energética – justamente onde o Brasil poderia liderar o mundo.
Há quem repita que “agora o sistema será simples”. Essa leitura é, no mínimo, ingênua. A reforma pode até entregar simplificação no futuro, mas o que teremos nos próximos anos é o risco real de um manicômio tributário 2.0: rebatizado, reorganizado e, sim, mais sofisticado – porém igualmente instável.
Por isso, o debate não pode ser reduzido a torcidas. A reforma não é boa ou ruim por definição. Ela abre um período decisivo. Quem se preparar poderá obter ganhos. Quem esperar passivamente será atropelado.
A questão central hoje não é se o Brasil vai crescer 20% por causa da reforma. A pergunta real é: quantos setores vão sobreviver ao período de transição? E quantos vão se reorganizar a tempo de se beneficiar dela?
A reforma tributária começa em 2026. O caos — ou a oportunidade — começa junto.
A diferença entre um e outro estará menos no texto da emenda e mais na capacidade de interpretar, reagir, planejar e se adaptar. É isso que vai separar quem afunda de quem avança. É isso que vai definir se estamos diante de uma mudança histórica ou apenas do próximo capítulo do caos fiscal brasileiro.
